O professor espreita a sala de aula, repleta de jovens e agitados garotos, hesita e, finalmente, entra. Assobiando, atravessa a sala e sai pela porta dos fundos. Os alunos o acompanham até o lado de fora, onde o professor pede que um dos jovens leia a primeira estrofe de determinado poema. O poema é “Botões de rosas”, de Robert Herrick, e a estrofe em questão diz: "Colham botões de rosas enquanto podem, O velho Tempo continua voando: E essa mesma flor que hoje lhes sorri, Amanhã estará expirando." Em seguida, o professor inicia uma discussão sobre a efemeridade da vida, a esperança presunçosa da juventude e a urgência em aproveitar o momento.
A cena descrita acima é do filme A sociedade dos poetas mortos, filme de 1989, e apesar dos anos que decorreram desde sua estreia, continua a inspirar pessoas e servir como mote para discussões entre estudantes e educadores sobre como ensinar literatura na escola. O professor John Keating, personagem de Robin Willams, acabou se tornando utopia no que se refere a como trabalhar literatura em sala de aula e a sensibilizar pessoas para a atenção particular que essa arte exige.
Que mágica será essa que John Keating faz que é tão difícil realizar? É comum a quem ainda se lança a tal profissão frequentes embates sobre como ensinar literatura, por que e o que ensinar quando se leciona a disciplina. Portanto, confira no nosso post por que e como ensinar literatura na escola!
Por que ensinar literatura?
Como afirma Inara Ribeiro Gomes*, a leitura há muito perdeu seu papel de protagonista na educação linguística e leitora. O prestígio que outrora a leitura literária ocupava nos currículos escolares e nas práticas de formação do indivíduo foi suplantado por outras práticas de leitura, cada vez mais diversificadas com o advento da revolução digital.
Os próprios Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), que orientam os currículos da educação básica no Brasil, no que versam sobre o ensino de língua materna e leitura, preconizam o estudo de variados gêneros discursivos com a necessária atenção às práticas sociais que os circundam. A supremacia da literatura para o estudo da linguagem verbal - que na prática há muito tempo estava fragilizada - também em nível teórico e institucional foi posta em xeque.
Além disso, a crescente heterogeneidade da escola contemporânea, tanto no que se refere aos estudantes quanto aos profissionais que a fazem, aliada à infeliz inacessibilidade do livro a boa parte da população, torna a pretensão de encarar a literatura a partir da sua mais básica função - a de suprir nossa ânsia por ficção e estética - um luxo ao qual aparentemente não nos podemos permitir.
Se observarmos apenas o que normalmente se faz no Brasil, veremos as práticas passam majoritariamente por dois caminhos quando se trata de como ensinar literatura:
- na Educação Infantil e Ensino Fundamental, a leitura de textos literários (ou que pretendem sê-lo) com viés pedagógico, a literatura como forma de “civilizar”;
- no Ensino Médio, a obra literária como ilustração de um cânone, período ou “escola” literária e um contexto histórico.
Nos dois casos, fatalmente, a linguagem que historicamente foi tratada como responsável por mergulhos naquilo que é mais genuíno e profundamente humano acaba por meramente cumprir a demanda de dar suporte a meia dúzia de exigências que os currículos impõem. O quadro se agrava ainda mais às vésperas de exames e vestibulares, quando o texto é quase sempre posto de lado e substituído por alguns resumos.
Uma investigação superficial de suas características, o enquadramento em um estilo ou período literário, o reconhecimento de seu contexto histórico e análises que muitas vezes acabam por cristalizar interpretações que deveriam ser, apenas, a interpretação de alguém e não a verdade derradeira sobre a obra.
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Com estas reflexões, não queremos afirmar, em momento algum, que não se pode aprender nada com a literatura ou que seus elementos estruturais, sociais e históricos não merecem destaque. Também não estamos dizendo que a literatura deve necessariamente ter papel de destaque no ensino de língua e que o estudo dos gêneros e suas inserções sociais são atividades menores.
Pelo contrário, isso se torna cada vez mais urgente com o aumento da complexidade das nossas sociedades e a diversificação de nossas formas de comunicação. Apenas desconfiamos que partir do próprio texto para enfrentar essas questões pode ser mais fecundo e respeitoso (com a obra) que apresentá-las de antemão e ter o livro como mero apoio.
Questionamos tão somente a postura quase sempre não refletida de tornar como ensinar literatura uma cartilha para o ensino de virtudes para crianças e uma ilustração do que quer que seja para os maiores. E esquecemos de olhar para o poder da ficção e da poesia na construção da nossa subjetividade e até de nos perguntarmos que substância é essa que a literatura carrega que ainda a mantém como disciplina em currículos que pouca ou nenhuma atenção dão às artes de forma geral.
Literatura X utilitarismo
Quanto a esta pergunta, é possível que a resposta seja não, que a literatura não tenha mesmo nada que o cinema, por exemplo, não possa ter enquanto elemento para exploração do espírito humano. E é possível que sua salvação seja exatamente esta: a libertação de seu viés utilitarista.
Por que não? Para além dos devaneios e das crises de identidade, o que propomos é um olhar um pouco mais detido a práticas que naturalmente automatizamos ao longo dos anos. É um desautomatizar do corpo e das nossas certezas. Ou continuamos agindo como os currículos e as práticas dos que nos precederam nos levaram a agir ou encaramos nossas questões com a frontalidade de quem ignora os perigos e simplesmente faz.
Talvez assim, possamos dar à literatura um espaço mais digno em nossas vidas e nas vidas de quem ensinamos: o tal do mergulho no que em nós é mais humano. Concluímos com este bonito e inspirador trecho de María Teresa Andruetto**:
Para que escrever, para que ler, para que contar, para que escolher um bom livro em meio à fome e às calamidades? Escrever para que o escrito seja abrigo, espera, escuta do outro. Porque a literatura, mesmo assim, é essa metáfora da vida que continua reunindo quem fala e quem escuta num espaço comum, para participar de um mistério, para fazer que nasça uma história que pelo menos por um momento nos cure da palavra, recolha nossos pedaços, junte nossas zonas mais inóspitas, para nos dizer que no escuro também está a luz, para mostrarmos que tudo no mundo, até o mais miserável, tem seu brilho (p. 24).
Este texto é mais uma coletânea de angústias de quem também se surpreende com as dúvidas de como ensinar literatura que uma tentativa de elucidação. Avaliações contínuas, como o relatório de leitura, são fundamentais para verificar o desenvolvimento dos alunos e encontrar pistas de como ajudá-los a aprender mais.
*GOMES, Inara Ribeiro. Sobre “por que” e “como” ensinar literatura. In: Nau literária: crítica e teoria de literaturas. v. 6, n. 2, Porto Alegre: 2010.**ANDRUETTO, María Teresa. Por uma literatura sem adjetivos. São Paulo: Ed Pulo do Gato, 2012.
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