Em 2023, a lei 10.639 completa 20 anos. Quais pontos devemos considerar para implementar a legislação e promover uma educação antirracista na escola? Confira:
Os 20 anos da lei 10.639: por uma educação antirracista
No dia 9 de janeiro de 2003 foi sancionada a lei nº 10.639. Fruto da luta do movimento negro, a lei visa o enfrentamento do racismo estrutural em nosso país. Além da promoção da equidade racial na escola.
As legislações antirracistas e as políticas públicas de combate ao racismo são fundamentais para pensar os contextos educacionais.
A lei nº 10.639 veio para alterar artigos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, nº 9.394/1996). Ela passa a vigorar estabelecendo os seguintes pontos:
- Nas instituições de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira;
- O conteúdo programático deverá incluir o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional. Resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil;
- Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar. Em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras;
- O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como Dia Nacional da Consciência Negra.
Junto com a lei nº 11.645/08, a regulamentação 10.639/03 sanciona a mais urgente diretriz: a promoção de uma educação antirracista.
O que é uma educação antirracista?
Janine Rodrigues, diretora geral da Piraporiando, definiu educação antirracista como novos caminhos para que os sujeitos em formação possam compreender a história do povo negro. Tudo isso se desvinculando de narrativas eurocentradas.
Uma educação antirracista, portanto, engloba questões culturais, políticas e sociais. O que envolve desde a perspectiva pessoal de cada indivíduo até a construção de uma agenda coletiva de combate ao racismo estrutural.
Educar de forma antirracista é dar as ferramentas necessárias para que sujeitos em formação possam compreender a dimensão do racismo em nossa sociedade. Além de se responsabilizem frente à seu combate.
Uma educação antirracista deve promover e difundir o legado dos povos negros e indígenas em nossa cultura. Valorizar as contribuições dos povos negros e indígenas é gerar uma cultura positiva em torno da diversidade racial.
Educar de forma antirracista significa fomentar a diversidade não apenas no âmbito de eventos, projetos pontuais ou datas comemorativas. É preciso também nas escolhas do dia a dia: desde os livros lidos em sala de aula até a composição do quadro de professores e colaboradores de uma instituição de ensino.
A educação antirracista no Brasil: como estamos caminhando?
Uma pesquisa conduzida pela Nova Escola revela os desafios dos educadores na promoção de uma educação antirracista.
De acordo com o levantamento de 2022, 85% dos educadores sabem da existência da lei 10.639/03. Mas 60% não sabem ou afirmam que não existe investimento para levar o tema na prática.
O levantamento também mostra que apenas 2 em cada 10 profissionais da educação citam referências de autores negros usados em sala de aula. 6 em cada 10 educadores não têm nenhuma referência da pedagogia africana ou afro-brasileira em sua prática escolar.
Priscila da Silva, doutora em Educação pela USP, aponta que escolas ainda reproduzem uma cultura racista.
Estudos mostram as diferentes estratégias pelas quais o racismo se reproduz dentro do ambiente escolar. Elas vão desde o material didático selecionado até o silenciamento de vítimas de violência racial.
Mesmo assim, a pesquisadora afirma que a legislação antirracista pode ser o ponto de partida para uma mudança nas teorias da educação.
A autora também mostra que a fiscalização tem cabido à sociedade civil organizada e instituições comprometidas. A partir de outros estudos, ela destaca que:
"Ações como o mapeamento de práticas educacionais e incentivo à produção científica têm sido estímulos fundamentais para não permitir que a política pública perca sua força. Na esfera acadêmica, o acompanhamento demonstra que, em muitos casos, a legislação tem se efetivado pela persistência de indivíduos comprometidos pessoalmente com a temática.”
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Gestores, coordenadores e educadores de uma comunidade escolar devem tratar a implementação das leis 10.639/03 e 11.645/08 com muita seriedade.
Nesta seção do texto, iremos falar sobre 3 pontos fundamentais para a gestão considerar ao se comprometer com a promoção de uma educação antirracista em sua escola.
1 - O letramento racial da equipe docente
Em seu livro “Racismo Estrutural”, Silvio Almeida aponta que o racismo não é um problema individual ou um caso isolado. Ele é estrutural.
Podemos entender que o racismo cotidiano das relações interpessoais e da dinâmica das instituições são manifestações de um processo histórico profundamente enraizado na sociedade.
O primeiro passo para uma gestão comprometida com uma educação antirracista é o reconhecimento do problema. Para isso, é indispensável compreender o caráter estrutural do racismo, levando em conta os seus vestígios em nossos próprios percursos formativos.
Você se recorda quantos autores e autoras negras você leu durante o seu percurso acadêmico ou escolar? E os professores e professoras que você teve ao longo da vida? Quantos deles (as) eram negros (as) ou indígenas?
Práticas de educação antirracista passam por recontar as histórias e narrativas que aprendemos. Portanto, descolonizar o pensamento, atualizar as nossas próprias referências e desvendar novos saberes é indispensável.
Ao desenvolvermos práticas pedagógicas antirracistas na escola, é de suma importância também formar continuamente a equipe de gestão e de docentes.
Nesse sentido, estruturar uma formação de professores em torno do letramento racial é um passo incontornável!
Além de abrir espaço na carga horária, a gestão deve garantir que os aprendizados sejam incorporados pela escola. Assim, é preciso incentivar que educadores e educadoras troquem constantemente.
Construir pontes de diálogo com o movimento negro e com as universidades locais é também criar oportunidades para a pesquisa docente no tema. Esse movimento deve ser constantemente encorajado.
2 - Atenção para a representatividade
Silvio Almeida argumenta que a representatividade tem efeitos importantes no combate à discriminação, ainda que não a extingua completamente.
Ele mostra que a representatividade propicia a abertura de um espaço político para que as reivindicações das minorias possam ser repercutidas. Além de desmantelar narrativas que sempre colocam as minorias em locais de subalternidade.
O escritor Stefano Volp, em nosso congresso virtual "Conversas que transformam", trouxe uma fala sensível sobre a sua vivência enquanto homem negro.
Desde jovem, Stefano sabia que queria trabalhar com a palavra e com a escrita. Mas diz que foi carente de referências: ele não conhecia nenhum escritor negro.
Por isso, apontou a importância que tem a representatividade no imaginário de crianças e adolescentes:
"Hoje, a gente tem que pensar em trazer referências para essas crianças. Alguém que eles possam olhar e pensar: eu poderia ser essa pessoa, no futuro. Então, é mais do que ouvir de um educador que existe um caminho. É ver pessoas pretas ocupando o lugar de liderança, ocupando o lugar de tomada de decisão, aparecendo enquanto referências..."
A gestão escolar deve ter o compromisso de refletir acerca da diversidade em sua comunidade escolar. A diversidade racial é tratada com qual ou quais perspectivas? O que pode ser feito de diferente para ampliar a representatividade no dia a dia da escola?
Investir para aumentar a diversidade no seu quadro de professores é importante. Assim como se questionar se existe representatividade entre os palestrantes, formadores e demais colaboradores que participam dos projetos e ações escolares.
A representatividade e a diversidade no cotidiano de uma escola é fundamental. Ela deve estar explícita nos espaços da escola, entre o corpo docente, na adoção do material didático, nos livros da biblioteca e nos conteúdos do currículo escolar.
3 - Olhar para o plano político pedagógico e para o currículo
Um compromisso com uma educação antirracista exige a incorporação do trabalho com as relações étnico-raciais no plano político pedagógico da escola. E os educadores e educadoras concordam!
Em seu levantamento, a Nova Escola perguntou aos educadores qual principal ação uma instituição deve investir para o desenvolvimento da educação antirracista.
63% dos participantes selecionaram a opção “construir um PPP que inclua o compromisso por uma Educação Antirracista, com plano de ação definido”. Além disso, os professores apontaram que é essencial envolver as famílias e toda a comunidade escolar.
Trabalhar uma pedagogia antirracista apenas em momentos pontuais do ano não é o suficiente. É necessária uma mudança profunda e estrutural na lógica curricular.
Ao pensar sobre o plano político pedagógico, alguns indicadores podem ser utilizados na avaliação e consolidação de um plano de ação antirracista.
Em 2013, o grupo Ação Educativa elaborou um documento intitulado "Os indicadores de qualidade na educação: relações raciais na escola".
Distribuídos em 7 dimensões, esses indicadores englobam relações e atitudes praticadas na escola, materiais didáticos e a comunidade ao redor.
A dimensão de número 2, que fala sobre o currículo e projeto político pedagógico, aponta que
“uma proposta político-pedagógica comprometida com uma educação antirracista e não discriminatória foge da ideia de ser um instrumento burocrático, pronto e acabado. Longe disso, está sempre em movimento, envolvendo questionamentos, mudanças e novas propostas que nascem conforme a realidade da escola e da sociedade.”
O documento atesta que o desafio da reeducação das relações étnico-raciais é pensar currículo e proposta pedagógica em sentido amplo. Para isso, é importante considerar os pontos a seguir:
1. Conhecimento de leis e documentos oficiais sobre educação e relações raciais;
2. Organização da proposta pedagógica;
3. Garantia de espaço para planejamento coletivo;
4. Inserção e abordagem de conteúdos sobre história e cultura africana e afro-brasileira;
5. A sala de aula como lugar estratégico para uma educação antirracista;
Encorajamos que gestores e educadores analisem o material com diligência, ele pode ser um importante orientador das práticas pedagógicas em sua escola.
Gestor, esperamos que esse texto tenha apoiado as suas reflexões sobre a importância de uma educação antirracista.
Para finalizar, uma dica: você conhece o Programa de Educação Antirracista da Árvore? O PEA é uma comunidade de práticas que dá o apoio necessário para a sua escola despertar reflexões e gerar transformação social! Clique aqui para saber mais.