A adolescência é uma época crucial para a maturação cognitiva, bioquímica e afetiva humana. Trata-se de um período de transição para a vida adulta, fase de descobertas e de intensas emoções que impactam diretamente o desempenho escolar e as demais etapas da vida.
Cabe, então, às famílias, à escola e à sociedade em geral o zelo pelo bem-estar e pela saúde emocional dos jovens.
No texto de hoje, discutiremos o papel da gestão escolar na promoção das habilidades socioemocionais. Você descobrirá:
a importância do olhar interdisciplinar sobre o cuidado com angústias comuns no Ensino Médio;
- os desafios característicos da implementação de uma Educação Socioemocional de qualidade nas escolas;
- e estratégias práticas para promoção das competências socioemocionais no segmento em questão.
Por que abordar as habilidades socioemocionais dos adolescentes na escola?
A escola pode ser entendida como um microcosmo da sociedade. Entre suas paredes os estudantes lidam com a diversidade, as desigualdades, as normas e os conflitos inerentes às relações humanas.
Não à toa, o protagonista de um dos grandes clássicos da Literatura brasileira, O Ateneu, define a vida escolar como o “momento de se definir (...) [a] individualidade” (p. 18).
Ao começar a frequentar a escola que dá nome ao livro e ampliar seu conhecimento de mundo, o personagem principal relata uma “verdadeira provação” (p. 18). Isso tudo porque estava iniciando uma fase da vida que aos poucos é “destacada do conchego placentário” (p. 18), isto é, da proteção materna.
Hoje em dia, estudos da Neurociência nos ajudam a entender melhor as especificidades do cérebro adolescente e sua influência no comportamento e emoções. É o que nos explica o Dr. Gustavo Teixeira, psiquiatra especialista em desenvolvimento infantojuvenil e autor do livro Manual da Adolescência (2019).
Na publicação, disponível na Árvore, Teixeira (2019) aponta a “plasticidade neuronal” como um dos fatores-chave para a aprendizagem. É por meio dessa adaptabilidade do cérebro que respondemos aos estímulos sociais e ambientais que recebemos.
O Dr. Gustavo afirma, ainda, que a adolescência é um período em que o ser humano está mais inclinado a correr riscos e a agir por impulso. Isso se deve à uma baixa habilidade de “autorregulação cerebral” (p. 15). Por isso, prossegue o autor:
“Capacitar o jovem e auxiliá-lo na busca por esse equilíbrio de conquista de maturidade deve ser sempre a meta de pais, educadores e profissionais de saúde mental infantojuvenil. Vale ressaltar que a adolescência será uma das últimas oportunidades de intervenção para que possamos trabalhar de maneira eficiente nesse processo.” (p. 16)
Ademais, uma pesquisa recente realizada pela UNICEF traz dados alarmantes. De acordo com o relatório, intitulado Situação Mundial da Infância 2021, cerca de 17% dos jovens brasileiros entre 10 e 19 anos têm enfrentado algum tipo de transtorno mental. O relatório indica, também, que na América Latina o suicídio já é a terceira maior causa de mortes de adolescentes com idades entre 15 e 19 anos.
É preciso, então, que todos os atores da comunidade escolar estejam atentos e empáticos. Hugo Monteiro Ferreira, educador, especialista em neuropsicologia e autor do livro A geração do quarto (2022), resume bem o papel de pais, mães, educadores e cuidadores na Educação Socioemocional:
“É urgente que aprendamos a ler sinais não verbais, a ouvir silêncios, a perceber comportamentos, a abrir espaço de diálogo (...) dentro de nossas casas, em nossas escolas, entre nós.” (p. 121)
Diante de tamanha problemática, confira a seguir alguns desafios subjacentes à promoção da Educação Socioemocional na Educação Básica.
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Quais são os desafios da promoção da Educação Socioemocional?
Primeiramente, é preciso entender que em tempos pós-pandêmicos, fatores genéticos e biológicos somam-se a problemas sociais como desencadeadores de sofrimento psíquico. A própria OMS lista questões como desigualdades socioeconômicas, violência e insegurança alimentar como prejudiciais à saúde mental de populações mundo afora.
Portanto, estudos recentes da psicologia ressaltam que a escola não deve ser entendida como uma solução isolada e infalível para problemas emocionais com raízes complexas.
Pelo contrário: cabe, à comunidade escolar, acolher e proteger crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, prezar pelo cumprimento do ECA e oportunizar o desenvolvimento de competências socioemocionais.
Em caso de suspeita de transtornos psiquiátricos e afins, é fundamental o encaminhamento para profissionais qualificados, como psicólogos, médicos, conselheiros tutelares e assistentes sociais.
Gestor, por tudo isso é fundamental conhecer e estabelecer um diálogo com órgãos e instituições de saúde da sua região. A comunidade escolar deve entender que não está sozinha. No Brasil, em casos emergenciais pode-se recorrer aos:
- Centros de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPSi);
- Conselhos Tutelares;
- Serviços de Atendimento Móvel de Urgência;
- e materiais e eventos do Programa Saúde na Escola (PSE).
Outro desafio na disseminação da Educação Socioemocional é o sofrimento da própria equipe pedagógica. De acordo com um levantamento realizado em 2022 pela Nova Escola em parceria com o Instituto Ame Sua Mente, aproximadamente 40% dos professores entrevistados (mais de 5 mil) relataram que lidam com fadiga excessiva e problemas com o sono.
Caroline Fanizzi, pedagoga, mestre e doutora em Educação pela USP, dedicou o livro O Sofrimento Docente (2023) a elucidar o assunto. Na publicação em questão, a pesquisadora analisa a precarização do trabalho docente como um processo que contribui para o mal-estar e adoecimento de professores. Vale a leitura, também disponível na Árvore.
Outro fator complicador da atenção às competências socioemocionais na escola é o estigma ainda relacionado a questões de saúde mental. A segregação e o preconceito com pessoas que sofrem com doenças mentais torna o assunto um tabu. Isso dificulta não só a escuta e o diálogo na escola, como também a comunicação com as famílias.
Como incentivar as competências emocionais em turmas de adolescentes?
Mas, afinal, o que cabe à gestão escolar para estimular uma educação integral e que não negligencie a dimensão emocional? As 6 sugestões abaixo podem ser um bom ponto de partida para o aprimoramento ou criação do projeto pedagógico da sua escola.
- Apoie e capacite a equipe pedagógica
Para apoiar a saúde mental dos estudantes, é imprescindível valorizar o trabalho docente. O cuidado com adolescentes perpassa, também, a melhoria das condições de trabalho de professores, auxiliares e coordenadores escolares.
Algumas ações que podem contribuir para que eles possam estabelecer vínculos saudáveis com a comunidade escolar e desenvolver bons projetos de ensino incluem:
- seu envolvimento nas tomadas de decisão da escola;
- o reconhecimento da igual importância de todas as áreas do conhecimento para o ensino de qualidade;
- a redução e delegação de tarefas meramente burocráticas ou administrativas que não lhe competem;
- a oferta de serviços de atendimento psicológico para esses profissionais;
- e uma formação continuada bem estruturada, sobretudo em temas como empatia, resolução de conflitos e apoio socioemocional.
- Promova a conscientização das famílias
A educação parental pode ser um bom caminho para envolver as famílias na rotina escolar e conscientizá-las sobre a prevenção e identificação de problemas recorrentes entre adolescentes.
Verifique a viabilidade de convidar especialistas em temas como o uso de narcóticos, estresse, bullying, baixa auto-estima e transtornos alimentares para dialogar com as famílias. Eventos como rodas de conversa e workshops podem ser boas pontes para o diálogo.
- Estabeleça parcerias com a comunidade
Como pontuado anteriormente, gestores escolares devem atuar em cooperação com profissionais qualificados de outras áreas. Procure unir forças com instituições locais que possam oferecer suporte adicional e recursos à escola, tais como:
- universidades com bons grupos de pesquisa;
- organizações não governamentais;
- e serviços de atendimento em saúde.
- Incentive a colaboração e resolução de conflitos
Gestor, uma escola acolhedora e inclusiva também prima pela paz e pelo respeito. Por isso, estabeleça de antemão, com professores de diferentes segmentos e componentes, valores e expectativas de comportamento que devem estar evidentes para todos os estudantes.
Incentive, ainda, a resolução construtiva de conflitos, criando oportunidades para o trabalho e colaboração igualitária em projetos pedagógicos.
Comitês estudantis, clubes e representação discente são exemplos de atividades que lhes permitem assumir responsabilidades, liderar iniciativas na escola, ajudar uns aos outros e comunicar suas dores aos adultos.
- Preze pela infraestrutura adequada nos espaços escolares
Garanta que as instalações escolares sejam seguras, limpas, arejadas, confortáveis e acessíveis a alunos com necessidades especiais. Lembre-se sempre que estímulos positivos atuam no desenvolvimento emocional de adolescentes. Desse modo, ambientes agradáveis podem incentivar a interação e o apoio social, reduzir o estresse e criar uma sensação de segurança e pertencimento. Se possível, dedique espaços específicos para o aconselhamento estudantil, meditação, práticas esportivas e contato com a natureza.
- Adapte o currículo
O Novo Ensino Médio prevê a criação de itinerários formativos não mandatórios e o desenvolvimento de um Projeto de Vida para cada estudante. Portanto, é possível unir forças com corpo docente para integrar as competências socioemocionais às atividades pedagógicas desenvolvidas com as turmas do segmento ao longo do ano letivo.Comecem identificando as competências socioemocionais que gostariam de priorizar a partir da observação do dia-a-dia escolar. A BNCC propõe uma abordagem na qual a Educação Socioemocional atravessa todas as 10 competências gerais para a Educação Básica. Contudo, vocês podem contemplar aquelas mais direcionadas ao tema. Conforme material informativo disponibilizado pelo MEC, elas são embasadas pelo modelo de Aprendizagem Socioemocional utilizado pelo Collaborative for Academic, Social, and Emotional Learning - CASEL:
- Comunicação;
- Trabalho e Projeto de Vida;
- Autoconhecimento e o Cuidado;
- Empatia e cooperação;
- Responsabilidade e Cidadania.
Depois, discutam como articular essas competências de forma holística com saberes de diferentes áreas do conhecimento. Por fim, tracem planos de ação de curto, médio e longo prazo de acordo com a carga horária, recursos materiais e demandas da escola.Gestor, em resumo, é preciso atuar continuamente para fortalecer emocionalmente adolescentes, de modo que desenvolvam seu agenciamento para lidar com as alegrias, dificuldades e dilemas da vida. Deixemos claro, para os estudantes, o conselho do pai do protagonista de O Ateneu à porta da escola onde se passa a história:“Vais a encontrar o mundo (...). Coragem para a luta.” (p. 18)Para se aprofundar ainda mais no tema, baixe gratuitamente o e-book Desenvolvimento de competências socioemocionais na escola, escrito por Rossandro Klinjey. Até a próxima!