Hoje abordaremos a problemática da violência nas escolas. Para contribuir com as reflexões, convidamos o especialista e psiquiatra Gustavo Estanislau. Confira:
A violência no cotidiano escolar:
As manifestações da violência atravessam o cotidiano escolar de diversas formas. De acordo com o pesquisador Bernard Charlot, para melhor compreender a questão, precisamos diferenciar a "violência na escola", a "violência à escola" e a "violência da escola".
- Violência na escola: se refere à ocorrência de situações de violência no ambiente escolar, sem estar relacionada às atividades escolares em si. Nesses casos, a escola é um lugar como qualquer outro.
- Violência à escola: está diretamente relacionada à natureza da escola, ou seja, é uma violência que pode ser caracterizada por insultos aos professores, vandalismo, danos ao patrimônio e outros tipos de agressão nesse sentido.
- Violência da escola: é a violência institucional e simbólica. São práticas utilizadas pela instituição escolar, como preconceitos, estereótipos, abuso de poder e injustiças com os estudantes.
Em nosso artigo de hoje, iremos aprofundar o debate sobre a violência nas escolas, com foco na relação entre os estudantes. Também vamos trazer estratégias para apoiar educadores e gestores no combate à violência dentro da escola. Veja a seguir:
Os tipos de violência nas escolas:
Infelizmente, a violência é uma realidade em muitas escolas brasileiras. Segundo um estudo publicado no Jornal da USP, oito em cada dez jovens da região metropolitana de São Paulo afirmam ter presenciado ao menos uma situação de violência contra adolescentes nas escolas.
Já nas escolas do Tocantins, entre janeiro e agosto de 2022, foram registrados mais de 100 boletins de ocorrência por lesão corporal e ameaça. Especialistas também alertam para o reflexo do isolamento e das perdas da pandemia em casos de agressividade.
Além dos dados alarmantes de violência física e verbal, hoje também se manifesta a violência digital. Ainda que as tecnologias digitais contribuam no processo de ensino e aprendizagem, sabemos que toda ferramenta tem a sua complexidade e, por isso, exige mediação.
Na visão de Gustavo Estanislau, médico psiquiatra, uma problemática contemporânea que vem se alastrando nas escolas é a violência que acontece através das mídias sociais, como o Whatsapp e Instagram.
Gustavo aponta que os meios tecnológicos permitem que as pessoas – sejam adultos, crianças ou adolescentes – percam os seus filtros sociais:
“Quando a gente está frente a frente com uma outra pessoa, temos uma série de filtros sociais que nos fazem repensar o que iremos falar. Mas as mídias sociais potencializam a impulsividade. Se a pessoa está sentindo uma coisa no momento, ela simplesmente deixa aquilo sair. Isso vem acontecendo com bastante frequência”, diz.
Também chamada de cyberbullying, a violência digital pode e deve ser combatida por professores e gestores. Para saber mais, não deixe de acessar o nosso artigo “Entenda o que é cyberbullying e como monitorar”.
Quais são as principais causas da violência nas escolas?
Ainda que cada caso tenha a sua especificidade, existem maneiras de mapear as causas da violência nas escolas. Estanislau afirma que o que deve ser feito é identificar quais são as funções do comportamento violento e agressivo:
“Quais são as motivações por trás desse comportamento? Algumas pessoas acabam sendo agressivas porque querem se sentir poderosas dentro de um contexto em que se sentem fragilizadas.
Então, por exemplo, é comum pessoas que são mais violentas agirem dessa forma para se sentirem mais competentes em um ambiente onde estão indo mal. Pode ser no sentido de tirar notas ruins, de não conseguir cumprir com as tarefas que são solicitadas...
Desse modo, a função da agressividade é se sentir popular socialmente. Algumas pessoas, para se manterem populares, acabam agredindo e hostilizando quem está à volta”, avalia Gustavo.
Quando investigamos as causas da violência, também é necessário estarmos atentos para o seu impacto entre as minorias da população.
Quais são as principais consequências da violência nas escolas?
A pedagoga Tamires Alves afirma que a exposição à violências pode dificultar a construção de uma imagem positiva de si.
A saúde mental de crianças e jovens vítimas de violência é impactada negativamente, e os riscos de depressão e tendências suicidas podem se agravar.
Em nossa conversa, Estanislau apontou que, quando uma pessoa ou um grupo de pessoas atua de modo violento, a autonomia da vítima, a sua felicidade e até mesmo o seu direito de ir e vir é cerceado de uma forma opressora.
Como a gestão escolar pode combater a violência nas escolas?
Antes de tudo, é indispensável que a gestão se preocupe em formar a sua equipe docente para lidar com a violência escolar.
A seguir, estão listados alguns pontos fundamentais para considerar nas estratégias e planos de ação em prol do combate à violência.
1 - Identificar precocemente
Educadores e membros da comunidade escolar devem estar atentos aos primeiros sinais de situações violentas. Por isso, é fundamental que a gestão escolar oriente a equipe docente a identificar e acompanhar casos de bullying, por exemplo.
“O ideal seria que a gente agisse em cima da prevenção das situações. Tentar identificar situações quando elas estão começando a surgir”, aponta Estanislau. Educadores devem observar mudanças comportamentais nos estudantes:
“Toda situação de violência que é identificada precocemente tende a estar envolvida num nível de complexidade bem menor, e os alunos tendem a se sentir menos afrontados quando a escola faz a intervenção.
A família também fica menos incomodada com situações que estejam orbitando num nível mais leve. Toda situação que é identificada mais para frente tem uma complexidade bem maior no sentido da gente intervir.
Então, um trabalho que eu considero fundamental, é incentivar os professores a terem esse olhar e a escuta ativa, para detectar atritos que vem começando”, avalia o especialista.
2 - Incentivar o diálogo
“Eu acho que as estratégias que possibilitam o diálogo entre os alunos e a escola são as mais importantes”, afirma Gustavo. O médico sinaliza que rodas de conversa podem ser boas estratégias de intervenção.
“A roda de conversa facilita que professores identifiquem situações que estejam mais escondidas, e também permite que orientem os alunos em alguns tipos de regras básicas de funcionamento social. Isso é super importante.”
Estanislau também aponta que os professores, em momentos de diálogo, podem funcionar como catalisadores sociais, no sentido de desfazer algum tipo de mal entendido entre os alunos. Desse modo, as conexões passam a funcionar de uma forma mais fluida.
3 - Escutar e orientar
De acordo com o especialista, uma relação de escuta pode ajudar um estudante a externalizar o estresse, ou mesmo indicar o que pode estar gerando estados de maior impulsividade, que acabam por se traduzir em violência.
Além disso, é recomendável deixar alguns limites estabelecidos:
“Eu acho importante que a escola consiga expressar para os alunos quais comportamentos são considerados brincadeiras, quais são considerados agressões e quais comportamentos que não são adequados”, aponta.
Alguns comportamentos podem ficar em uma zona cinza no imaginário dos estudantes. Por isso, a escola fazer esse tipo de trabalho é indispensável.
4 - Observar para prevenir
Além da identificação precoce e de manter o diálogo e uma escuta atenta, também é apropriado manter os espaços de convivência escolar sob a supervisão de um adulto.
“Existem vários estudos mostrando que a agressividade tende a acontecer em ambientes que não são tão observados. Então, a simples presença de um adulto no pátio na hora do intervalo pode ajudar bastante”, diz Gustavo.
5 - Evitar o punitivismo
Escolas que utilizam métodos mais punitivos, ao longo do tempo, acabam sofrendo um aumento nos índices de violência.
De acordo com médico, é preciso ter cuidado com as punições excessivas, pois elas geram um ambiente hostil. Ele complementa dizendo que o trabalho dos professores deve fortalecer o vínculo entre escola e aluno.
“Ao aplicar muitas punições, o ambiente se torna mais agressivo, mais hostil, as pessoas tendem a se sentir mais paranóicas e mais desconfiadas... isso acaba se transformando em um ciclo negativo de violência.
O princípio, desde as situações mais leves até as situações mais graves, deve ser o princípio do reforço positivo”, defende o especialista.
6 - Cooperação família e escola
Gustavo também ressalta a importância da comunicação e integração com as famílias envolvidas. Em casos de violência, é importante que a relação família-escola seja a mais sólida possível.
O manejo mais importante deverá acontecer com os alunos, e a família deverá ser informada. É necessário, em todos os casos, que a família reforce a intervenção da escola.
“Quando a gente se conecta com familiares nesse tipo de ocasião, o mais importante é conseguir funcionar de uma forma sinérgica com a família... onde a família-escola apontam num mesmo sentido, falam numa mesma direção”, orienta Estanislau.
“Quando família-escola falam línguas muito diferentes, a gente tem o efeito contrário: essas situações acabam deturpando o sentido de certo e errado da criança e do adolescente”, completa.
7 - Atenção para a saúde mental
Como apontamos no início do texto, é recomendado que educadores e gestores tentem encontrar o motivo por trás de comportamentos violentos. Como argumentou Estanislau, a agressividade, muitas vezes, tem relação com questões de saúde mental.
Nesses casos, a escola pode encontrar estratégias para mitigar a manifestação da violência. Por exemplo, um estudante pode passar a se sentir mais competente quando um professor incentiva a sua expressão pessoal, contribuindo para o desenvolvimento da autoestima.
“Tem muitos alunos que deixam de ser agressivos a partir do momento em que eles começam a achar uma via para se sentirem poderosos e eficientes, como através do esporte, através da arte…”, finaliza.
O trabalho com a arte, com a literatura e com o esporte pode ser muito benéfico para promover a saúde mental na escola, através do desenvolvimento das competências socioemocionais dos estudantes.
Gestor, esperamos que esse conteúdo tenha apoiado as suas reflexões sobre a violência nas escolas. Não deixe de ler o nosso artigo Como promover a saúde mental na escola?, que também conta com a participação de Gustavo Estanislau.
Até a próxima!
Gustavo Estanislau
Médico Psiquiatra, Especialista em Psiquiatria da Infância e da Adolescência pelo Hospital de Clínicas de Porto Alegre (UFRGS). Doutorando em Psiquiatria pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Organizador do livro “Saúde Mental na Escola: o que os educadores devem saber”, lançado em 2015, pela editora Artmed. Pesquisador do Y Mind – Centro de Prevenção de Transtornos Mentais. Palestrante, consultor em instituições de ensino e psiquiatra clínico. Atuou como pesquisador clínico do Programa de Reconhecimento e Intervenção nos Estados Mentais de Risco (PRISMA) da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e como membro do Grupo de Estudo de Adições Tecnológicas (GEAD) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).