Estamos vivendo a Era da Pós-Verdade ou da Pós-Mentira, dependendo do ponto de vista de quem me lê. Fato é que nunca, na história da Humanidade, o ser humano se viu tão bombardeado por informações que estão em toda parte, no mundo off e on line, e elas influenciam o que compramos, vestimos, pensamos, escrevemos, lemos, o que somos e o que queremos ser. Tal como na assustadora “visão” de George Orwell em seu clássico “1984”, estamos todos vigiados pelo “Grande Irmão”, que tudo ouve e vê, só que hoje ele atende pelo nome de Algoritmo, aquele que sabe mais sobre nós, do que nós mesmos.
Logo, a pergunta que não quer calar é: como formar sujeitos capazes de entender por quem, como e porque suas crenças são moldadas? Como formar leitores competentes para enxergar a verdade mais próxima da realidade na qual estão inseridos, sabendo diferenciar fatos de opiniões? A ficção da verdade? O direito de expressão da visão (ou da verdade) de cada um?
A resposta vale o tesouro no final do arco-íris e talvez garanta o acesso a um outro mundo que não esse, já dominado pelo uso das narrativas como uma arma de guerra, um mundo no qual a internet, tão sonhada como ágora e sala de estar para longos diálogos, está transformada numa arena onde reina o discurso de ódio e a desinformação. De fato, a questão é complexa e talvez não haja uma saída de pronto, mas tão somente um conjunto de ações que, a médio e longo prazo, poderão mudar esse cenário.
O que é a Educação Midiática ou Alfabetização Midiática e Informacional (AMI)
E aí, precisamente nesse pedaço, é que entra a Educação para as Mídias, ou a Educação Midiática, ou ainda, a Alfabetização Midiática e Informacional (AMI). O tema não é novidade – desde os anos 90 um grupo de comunicadores já falava sobre a importância da Leitura Crítica da Comunicação – e a questão sempre foi pensar como as mídias podem entrar na sala de aula dado que já não é mais possível nos conectarmos com a informação e com o conhecimento que não seja por meio delas.
E o desafio não é pequeno, pois a Educação Midiática está profundamente ligada à questão de como nos relacionamos com a comunicação e com a cultura, de como os jovens interagem com e por meio dessas mídias, e como podemos compreender melhor essas conexões para poder intervir nessa realidade.
Ao que parece, os chamados “nativos digitais” não navegam tão seguros nesse mar de informações. Saber acessar as mídias não garante que se compreenda como elas funcionam, o que escondem e revelam por meio de seus conteúdos, e muito menos habilita alguém para usar as redes de maneira crítica. Isso foi o que mostrou a pesquisa da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) divulgada no relatório “Leitores do Século 21 - Desenvolvendo Habilidades de Alfabetização em um Mundo Digital”.
O relatório, que revela as habilidades de interpretação de texto dos alunos de 15 anos avaliados no Pisa, exame internacional aplicado pela OCDE em 2018 em estudantes de 79 países, inclusive no Brasil, atesta que apenas um terço (33%) dos estudantes brasileiros foi capaz de distinguir fatos de opiniões em uma das perguntas aplicadas no exame.
A leitura e a Educação Midiática
Não é difícil relacionar esses dados à questão da leitura, e é aí que evidencia-se uma interseção fundamental entre a Educação para as Mídias e a Educação para a Leitura. Como dizia o grande educador Paulo Freire: “A leitura do mundo precede a leitura da palavra”. Portanto, tudo começa e acaba na formação de um leitor capaz de duvidar de uma notícia, de checar uma informação antes de repassá-la, de desconfiar de um vídeo com declarações bombásticas e divulgar que ele é falso. Alguém com muitas dúvidas e poucas certezas, que tenha por hábito ser sempre um aprendiz.
O relatório descortinou um cenário que a pesquisa “Leitores Digitais”, um estudo da Árvore sobre o comportamento de leitura digital nas escolas brasileiras, só confirmou: os estudantes que leem mais se saem melhor nas avaliações em que são instados a ler e interpretar textos. A OCDE constatou que a leitura de livros de ficção e de textos longos também está positivamente associada a um melhor desempenho em leitura na maioria dos países avaliados. E mais: tal como atestou a pesquisa da Árvore, se as leituras destinadas aos jovens são sugeridas e mediadas pelos pais e/ou professores têm mais chances de serem concluídas e se mostrarem mais prazerosas.
Ou seja, não há dúvidas que a questão do desenvolvimento das competências leitoras passa pelo incentivo a leituras mais complexas e profundas, aquelas que permitem aos alunos exercitarem a observação dos detalhes de um texto, aos subtextos e contextos, nuances essenciais para a melhoria das habilidades de compreensão textual, tão imprescindíveis nos tempos em que vivemos.
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A pandemia e o mundo digital
Ambos levantamentos mostraram que a pandemia “aflorou a necessidade de aproximar o mundo digital da informação, as redes sociais e as diversas mídias da sala de aula (online ou presencial). A formação leitora pode e deve favorecer o multiletramento crítico e considerar que o digital deve estar a serviço dessa construção e desenvolvimento da competência leitora”, escreveu Letícia Reina, gestora Educacional da Árvore, no relatório da pesquisa.
Na mesma linha, o relatório da OCDE afirma: “Hoje, a infodemia (como especialistas se referem à proliferação de falsas informações em grandes volumes, como ocorre em tempos de covid-19) e a incerteza sobre fatos científicos e de saúde básicos capturou o foco dos alunos de 15 anos - e seu anseio por soluções".
A pandemia mostrou que a Alfabetização Midiática e Informacional ou Educação Midiática precisa estar profundamente ligada à questão da formação de um leitor capaz de ler o mundo. No século XXI saber ler já não basta, é preciso aprender a ler todas as linguagens, em todas as mídias e suportes, desenvolvendo as pluriliteracias. É preciso ser um leitor que navegue com segurança no mundo on e off line. Um leitor e navegador competente.
Esse conteúdo foi escrito por Januária Cristina Alvesibi
Mestre em Comunicação Social pela ECA/USP, jornalista, educomunicadora, autora de mais de 50 livros infantojuvenis, duas vezes vencedora do Prêmio Jabuti de Literatura Brasileira, co-autora do livro “Como não ser engando pelas Fake News”, da Editora Moderna e membro da Mil Alliance, a Aliança Aliança Global para Parcerias em Alfabetização Midiática e Informacional da Unesco. www.entrepalavras.com.br
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